Conto Policial

ASSASSINATOS NO PARIS HOTEL

Quando Ramos soube que Valdir fora condenado também pelo assassinato de Dibinho, não conseguia parar de pensar: “Valdir nunca negou ter matado Aurélio... Por que, então, não assumiu a morte de Dibinho? E, se não foi o Valdir, quem matou o malandro? E como conseguiu plantar o botão do casaco do Valdir na cena do crime?” Algo não se encaixava, aparentemente o crime estava resolvido, mas Ramos não se convenceu e resolveu dar mais uma olhada na cena do crime, votando ao salão do Paris Hotel.
Era uma sala de requintada decoração, luxuosamente composta por cortinas de cetim esverdeadas e estofados de veludo em dégradé com as cortinas. Ao centro, iluminada por um castiçal de prata, repousava uma pequena mesa de cabriúva destacada pelo brilho negro de sua madeira e quatro cadeiras de estilo colonial cujo conforto sempre atraiu Aurélio, que era grande apreciador de luxo e conforto. Sob estas peças jazia um tapete perça de grossa pelagem com motivos do império e em cores esmaecidas pelo tempo.
Ramos parecia ter um sexto sentido que o conduzia insistentemente para aquele lugar, afinal, se algo ainda estivesse escondido da verdade, sem dúvida estaria ali, disfarçado por entre as trincheiras do macio tapete, onde fora anteriormente encontrado o botão que selou o destino de Valdir.
Dibinho não fazia o estilo do salão do Paris Hotel, tinha características de homem rude com pouco tempo para apreciar amenidades. Gostava mesmo era das mulheres que freqüentavam aquele lugar. Lindas garotas que cheiravam a perfume francês e faziam o papel de presa fácil, de que ele gostava tanto. Suas estadas neste salão eram raras e breves, pois assim que conseguia a garota que queria, logo se retirava para o “abatedouro”, como costumava chamar o quarto para onde levava suas garotas, no terceiro andar do hotel.
A última vez em que usou este quarto estava acompanhado de Pola, a mais bela garota do salão. Loura de cabelos lisos e sedosos, com seus um metro e setenta de altura e uma cintura esguia e vaidosamente tratada, era, de fato, a mulher mais cobiçada do salão do Paris Hotel. Teria sido uma grande noite se não fosse o fato de Pola ser a garota do Aurélio, o líder da nossa sociedade.
Uma semana antes tinha altercado com ele sobre isso no bar do Michel, dizendo que isso poderia custar além de nossa sociedade, sua própria vida. Mas a paixão o cegou, sua fraqueza pela luxuria sempre o colocou em situações delicadas, e não seria diferente agora; mais uma vez seria vencido pela volúpia. Seu porte de homem atlético e bronco sempre teve sucesso com as mulheres, diferentemente de Aurélio, que conseguia apenas algumas por ser temido entre os homens que freqüentavam o local. Era o caso de Pola, uma garota como aquela jamais amaria Aurélio, mas derretia-se toda pela máquina de prazer, como costumava referir-se a Dibinho, que por outro lado não seria capaz de dar-lhe o status que Aurélio daria. Era, de fato, uma mulher de poucos escrúpulos que não mediria esforços para ter o queria: poder e prazer.
Envolvido pela fragrância do perfume de Pola e completamente hipnotizado pelo seu toque, Dibinho começava a entregar-se ao seu mais antigo desejo, a mulher do chefe, naquele que viria a ser seu próprio abatedouro. A pele alva de Pola era macia e úmida e colava-se à dele aumentando-lhe o prazer. Seus seios de formato gracioso e de tamanho exato encaixava-se com perfeição em sua boca sedenta de deleite.
Ele a acolhia em seus braços fortes e definidos, acariciando cada parte de seu corpo como um paleontólogo acaricia uma antiguidade recém achada. Sua boca pesquisava cada palmo daquele corpo perfeito e sugava o gosto voluptuoso da mulher tanto desejada. Sob os lençóis de seda trançavam-se os corpos já suados com a ampla performance libidinosa.
Mas assim como chegou ao orgasmo, chegou também Aurélio, com a ira de uma fera traída pela própria cria, afinal era assim que Aurélio encarava Dibinho. Um homem que iria lhe suceder nos negócios, se tivesse noção do perigo.
Arrebentando a porta de madeira fina no peito, Aurélio adentrou no quarto com um estrondo capaz de trazer de volta para a realidade o casal que se amava. Ao ver o chefe dentro do quarto, o sangue lhe sumiu das faces e Dibinho pálido sentiu o frio da morte sondá-lo de perto com o hálito podre do assassinato.
Sozinho agora na cena do crime, o detetive Ramos escrutinava detidamente o salão do Paris Hotel, com o relato vívido de Valdir em sua memória, muito minuciosa, diga-se de passagem. “Algo ainda não se encaixa” _ pensava repetidamente Ramos para si mesmo.
“Aurélio arrastou Dibinho nu até o salão, dois andares abaixo, acho que para que todos vissem o acontece com quem trai sua confiança” _ disse Valdir no interrogatório horas antes. “Jogou-o com violência sobre o tapete do salão e virando esbofeteou o rosto de Pola que caiu envolta nos lençóis da cama em que amara tão ardentemente Dibinho. Sacou o revolver calibre trinta e oito e apontou para o corpo nu de Dibinho e em seguida caiu sobre ele já sem vida com uma mancha de sangue crescendo em suas costas“.
A partir daí Ramos vira o que aconteceu, pois a policia havia sido chamada pela segurança do hotel assim que a porta do quarto foi arrombada. Valdir retirou seu casaco e envolveu-o no corpo desnudo de Dibinho assim que Ramos retirou o cadáver de Aurélio de cima dele, levou-o para o quarto onde estava com Pola e desceu novamente para o salão. Após mais algumas averiguações Ramos subiu ao quarto para interrogar Dibinho e encontrou-o novamente nu jazendo sobre a cama com o botão do casaco de Valdir apertado entre os dedos, havia sido envenenado.
Imediatamente os ajudantes de Ramos levaram Valdir cativo para a delegacia onde deu seu depoimento, de que se lembrava agora Ramos, caminhando pelo tapete perça do salão do Paris Hotel. Notou uma pequena protuberância embaixo do tapete, levantou-o e visualizou o frasco de arsênico pela metade. Agora tudo mudara, o assassino de Dibinho estivera depois do crime no salão, mas Valdir voltara ao salão para falar com Ramos. É muito provável que ele esteja protegendo o verdadeiro assassino.
De volta à delegacia Ramos foi até a cela fria e suja em que estava Valdir e mostrou-lhe o vidro de veneno:
“Olha aqui seu assassino de meia pataca, que você matou Aurélio estou certo, pois o exame de balística comprovou isso. Mas pela morte de Dibinho não pode ser responsável, veneninho não faz o seu estilo! Diga-me logo quem envenenou-o!” _ disse ramos aos berros para intimidá-lo e conseguir a informação.
O subterfúgio deu certo e Valdir disse que vira cair de entre os lençóis de Póla o referido vidro e escondeu-o por sob o tapete. Disse que jamais deixaria que Pola, sua irmã, pagasse por aquele crime, “ela foi a maior vítima” _ dizia quase rouco pelo choro que lhe brotava na garganta. Quando percebeu que Aurélio descobrira tudo, Valdir tentou proteger a irmã mas disparou cedo de mais e atingiu sem querer Aurélio, o veneno era para ele. Para que deixasse a pobre Pola ser feliz com o homem que amava e com o dinheiro que possuía, mas não tivera tempo de contar os detalhes para Dibinho.
“Logo após subir com ele para o quarto percebi que estava muito nervoso e para acalmá-lo ofereci-lhe a bebida que estava em cima da mesa de cabeceira” _ confessou Valdir com a voz trêmula. “Mas não percebi que era a bebida que Pola havia preparado parado para acabar com Aurélio, e em seguida desci para o salão e daí por diante o senhor já sabe”.
Ramos fez menção de sair para prender Pola, a verdadeira assassina de Dibinho, mas Valdir disse que era tarde, na mesma noite ela pegou o avião para Madri como estava combinado fazer com seu amor, mas por obra do destino foi só, carregando o enorme peso de matar o homem que mais amou em toda sua vida.
Ramos percebeu, com alguma dificuldade, que era o fim do caso e voltou cabisbaixo para casa, para a leitura de Ágatha Christie que o chamado da noite anterior o havia tirado.
Escrito por Júnior Mendonça

0 comentários:

Postar um comentário